quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O Voto: Direito, Dever ou Perda de Tempo?


Dando continuidade ao artigo anterior, vamos analisar uma característica do sistema eleitoral brasileiro conhecido como sistema proporcional. Pouquíssimos eleitores percebem ou entendem que, ao votarem, votam primeiramente no Partido do candidato e não no candidato em si, graças a uma fórmula matemática chamada coeficiente (ou quociente) eleitoral utilizada para a eleição de Deputados Federais, Estaduais ou Distritais e Vereadores.

Este sistema privilegia o Partido (ou coligação) muitas vezes em detrimento do candidato. São vários e constantes os exemplos de um candidato ser eleito com apenas algumas centenas de votos enquanto que outro com milhares ficar de fora.

Consideremos uma situação hipotética:

João Honesto vive em uma pequena cidade no interior do Brasil onde é padeiro. É pessoa extremamente honesta, trabalhadora e envolvida com atividades sociais de ajuda à comunidade local. É conhecido e querido por todos os moradores, tanto por sua profissão quanto por seu envolvimento comunitário.
Certa vez, um amigo disse a João Honesto: "Por que voce não se candidata a Vereador? Poderia colaborar ainda mais com a nossa cidade."

João pensou bem e, a princípio, não se interessou muito pela coisa pois era homem de bem e trabalhador, bem diferente dos políticos que conhecia. Mas como vários outros conhecidos lhe pediram para que se candidatasse, alguns com ótimos argumentos, outros com uma admiração quase de veneração, João resolveu ser candidato a Vereador.

Foi procurar os políticos na Prefeitura em busca de um Partido que o acolhesse. Os grandes Partidos não mostraram interesse pois, apesar de sua popularidade, João não tinha histórico político nem se mostrava disposto a contribuir com dinheiro para o Comitê Central da campanha desses Partidos. Além disso, os grandes Partidos já tinham seus candidatos estabelecidos, os mesmos de sempre. Quase desistindo da idéia, João foi parar em um pequeno Partido que nem iria apresentar candidato na eleição nem estava em coligação. Esse Partido aceitou registrar a candidatura de João Honesto como único candidato.

Com o início da campanha eleitoral, João continuou com seu trabalho na padaria local onde colocou alguns cartazes divulgando sua candidatura. Não fez santinhos, nem faixas, nem tinha carro-de-som.

Veio o dia das eleições. João obteve 9.000 votos. 100.000 votos eram válidos. Haviam 10 vagas de Vereador. João não foi eleito!!!

Por que??? Muito simples, por causa do coeficiente eleitoral! A distribuição dos votos ficou assim:

Coligação A - 40.000 votos
Coligação B - 30.000 votos
Coligação C - 21.000 votos
Partido do João - 9.000 votos
Coeficiente Eleitoral = 10.000 votos

Assim, a Coligação A ficou com 4 vagas, a B com 3 e a C com 2. A vaga restante ficou com a Coligação C por ter sobra do coeficiente eleitoral. Como o Partido do João, tendo apenas ele como candidato, não alcançou o coeficiente de 10.000 votos não obteve vaga na Câmara Municipal.

Como as coligações apresentaram vários candidatos, o mais bem votado delas obteve 5.000 votos e foi eleito vereador assim como o Dr. Buginganga, que teve 500 votos. E João Honesto, o mais votado da cidade com quase o dobro do segundo colocado, ficou de fora da Câmara de Vereadores.

Portanto eleitor, os cálculos hipotéticos acima se aplicam também em casos reais e que se encaixam no "outro lado da moeda", ou seja, quando um único candidato de um Partido inexpressivo consegue enorme votação alavancando outros candidatos do Partido, vide o exemplo do Deputado Federal Enéas, eleito por São Paulo. Graças ao coeficiente eleitoral de seu partido, beneficiado pelos seus quase 1,5 milhões de votos, levou consigo seis outros candidatos - um deles com 200 votos - enquanto candidatos de outros partidos que receberam 150.000 votos acabaram não sendo eleitos pois o coeficiente eleitoral do partido foi baixo.

É um sistema estúpido? Na realidade até é, mas foi concebido com a intenção de fortalecer os Partidos Políticos como instituição nacional, beneficiando a instituição e não o indivíduo, mas na prática se mostra totalmente longe da realidade brasileira na qual a grande massa da população não liga a mínima para os Partidos, até porque a grande maioria desses mudam de nome constantemente, não apresentam qualquer característica que os diferenciem dos demais e sejam vistos apenas como um antro para conchavos e maracutaias diversas.

Conclusão

Expostos os argumentos, direi agora a que conclusão e decisão cheguei após 4 décadas de observação da política contemporânea brasileira e do estudo do seu passado.

Apesar de ter participado ativamente da Campanha pelas "Diretas Já" em 1984, percebi, com o tempo, a inutilidade do voto em um país onde a cultura política se situa abaixo do "fundo do poço". O eleitorado brasileiro sempre foi, e será por um bom tempo, manipulado por oligarquias ou pela Imprensa/Mídia em geral.

A intelectualidade brasileira atual é de uma geração criada sob um regime ditatorial militar e com isso se tornou, quase que na totalidade, de orientação esquerdista, não contribuindo assim para o desenvolvimento de uma sociedade plural e verdadeiramente democrática. Ficamos todos à mercê da dualidade direita/esquerda, navegando em períodos de predominância política de uma ou de outra, sem termos um objetivo comum para o país.

Em um país de analfabetos em todos os sentidos, deixar o destino do país nas mãos de quem vende o voto em troca de 100 tijolos é, no mínimo, uma enorme irresponsabilidade. Deixar-se levar por uma Imprensa amorfa também. Hoje são raríssimos os órgãos de imprensa capazes de analisar a fundo uma situação e apresentar ao povo a verdade escondida por baixo de manchetes sencacionalistas, mesmo que consideremos a Imprensa brasileira como tradicionalmente adesista a qualquer governo, de qualquer ideologia.

Como nas sociedades modernas o poder de influência de um indivíduo é mínimo, eu como eleitor decidi, desde a derrota da emenda pelas eleições diretas, não mais ser cúmplice de um sistema e de políticos podres. Como votar nulo não altera em nada uma eleição, ao contrário, eleva o coeficiente eleitoral aumentando as disparidades acima descritas, resolvi não mais comparecer às urnas em dia de eleição. Tendo me mudado de cidade, nunca transferi meu título de eleitor nem pretendo fazê-lo, apenas localizo uma seção vazia perto de casa, entrego a justificativa de ausência e vou aproveitar o feriado do melhor jeito possível.

Portanto eleitor, se voce não quer compactuar com um processo viciado, corrupto e, muito possivelmente, fraudulento, se não quer dar respaldo numérico a bandidos travestidos de "representantes do povo", se quer poder dizer mais tarde, quando estourar mais um escândalo de corrupção, "não votei em nenhum desses canalhas", então faça como eu:

No dia dessa ou de qualquer outra eleição, VÁ PASSEAR!

É isso aí. Pegue a família e vá para outro município perto do seu, para uma cidade turística ou aprazível, vá visitar familiares, vá a praia...enfim, apenas saia do município em que vota e justifique sua ausência em qualquer seção eleitoral do outro município (a mais vazia que achar). Se não houver nenhuma cidade interessante para aproveitar o feriado próxima da sua, fique em casa mesmo ou divirta-se como puder, a multa eleitoral máxima que irá receber é de R$ 3,51 ou, caso seja um milionário, R$ 35,10. Acho muito pouco a se pagar em troca de não ficar horas em pé em uma fila ouvindo todo tipo de asneiras políticas apenas para referendar um processo espúrio.

(NOTA: Esse e os demais artigos publicados sobre o tema refletem apenas a opinião deste redator, não sendo necessariamente a mesma opinião dos demais colaboradores do Projeto S.I.L.I.)

3 comentários:

Ivo S. G. Reis disse...

Parabéns, Spock. Você mostrou as entranhas do sistema político brasileiro. Como eu disse em um outro comentário, o sistema é viciado e injusto, mas foi propositalmente criado assim, para iludir o povo, dndo-lhe a falsa sensação de que é ele, o povo, quem está elegendo o candidato. Não é. Ele apenas homologa a falsidade que lhe impuseram.

Solução para isto? Só uma - mudar o sistema, tirando o poder da máfia política e deixando que O POVO POSSA INDICAR E REALMENTE ESCOLHER OS SEUS CANDIDATOS, livremente. O grande problema é que essa mesma máfia que controla a política nacional não quer isso e não vai permitir que se mude o sistema nesses moldes. Quando propõem uma pseudo "reforma política" é novamente para enganar o povo, fazendo parecer que mudaram para melhor. Mas o cerne da questão permanece: são os grandes partidos e não o povo, quem indica e elege os candidatos. O povo, como você disse, É CÚMPLICE.

Ivo S. G. Reis disse...

Em tempo: Achei excelente e muito esclarecedor, para o povão que vai às urnas em breve, este seu artigo. E aqui vai um pedido: Poderia republicá-lo no DDD, deixando um link para a fonte original?

Se puder, desde já agradeço!

Ivo S. G. Reis disse...

Grato pela sua autorização. Fiz uma pequena introdução e referênncia ao autor e republiquei hoje no DDD, na íntegra, este seu excelente artigo.

Deixei-o em destaque com blockquote, mas a formatação dos parágrafos não ficou tão boa como a da publicação original, porque não consegui manter o distanciamento de uma linha entre eles.

Verifique e dê sua opinião! abraços!