Quando, no século XV, Johannes Gutenberg imprimiu sua famosa Bíblia, foi criada uma nova era de disseminação do conhecimento e das idéias. Apesar de não poder ser atribuída a ele a concepção de impressão em si, suas invenções e aprimoramento dos tipos, tintas e prensas permitiram que manuscritos com conhecimentos monopolizados pela Igreja Católica se transformassem em livros impressos em massa. A impressão de panfletos faziam circular entre a população da Europa novas idéias políticas, religiosas e sociais. O que antes era passado oralmente, passou a ser divulgado, em grande escala, em papel.
O surgimento da Imprensa mudou radicalmente a História das sociedades. Os ideais da Revolução Americana de 1776 atravessaram o Oceano Atlântico em jornais e folhetos, inspirando os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade da Revolução Francesa. Lenin e Trotsky utilizaram o Pravda para propagarem conceitos socialistas que culminaram com a Revolução Russa.
Da mesma forma como democratizou o conhecimento e a divulgação de idéias através dos livros, a Imprensa também serviu à manipulação das massas implementada por regimes ditatoriais, principalmente por meio de Jornais. O livro impresso tem a característica de ter as idéias ali expressas imunes a alterações por terceiros, e se perenizam ao longo dos tempos, ainda que possam ser combatidas, discutidas ou, eventualmente, revistas. Já os jornais, por serem periódicos, estão sujeitos a mudanças várias, sejam por imposições econômicas, políticas ou sociais.
Passada a euforia inicial com o invento de Gutenberg, a Imprensa começou a gerar descontentamentos em vários setores do Poder. Primeiro foi a Igreja, grande prejudicada pela quebra do monopólio do conhecimento, que passou a condenar autores e livros como hereges. Logo em seguida foram os monarcas - e as monarquias - que se viram ameaçados. Assim surgia a Censura.
Desde o início, a imprensa tradicional foi alvo de censuras e o é até os dias de hoje. Idéias novas (e mesmo antigas) são sempre uma ameaça aos detentores de Poder. A Censura, ou o controle do Conhecimento, pode se manifestar de várias formas, desde as violentas até as dissimuladas. Já tendo controlado praticamente todos os jornais, os nazistas promoveram a "grande queima de livros", quando, no dia 10 de maio de 1933, foram queimadas em praça pública, em várias cidades da Alemanha, as obras de escritores alemães inconvenientes ao regime.
De outro modo, a doutrina capitalista alcançou também a área literária e jornalística, com isso, livros de conhecimento são substituídos pelos de fácil vendagem e "proibidos" à maioria da população por seus altos preços. Da mesma forma, jornais diários repetem incessantemente temas como desastres, mortes, guerras, corrupções, tragédias pessoais e coletivas e todas as demais facetas da miséria humana, intencionalmente ou não, fazendo com que as pessoas se "conformem" com tais acontecimentos como se fossem naturais e inevitáveis, enquanto omitem a maioria das descobertas científicas e idéias contrárias às suas políticas editoriais.
A Internet
Mesmo tendo sua origem em uma rede de computadores militares - a ARPANet - a Internet foi, sem dúvida, um enorme avanço no conceito, na democratização e na tecnologia da Imprensa, ou se preferirem, dos meios de comunicação. Associado a acessibilidade dos PCs, o crescimento exponencial da rede mundial de computadores pode ser considerado como o evento mais marcante dessa virada de milênio.
Primordialmente ocupada por jovens estudantes de tecnologia e adeptos da contracultura - os chamados hackers - a Internet foi rapidamente adotada por pessoas em todo o mundo como uma forma de comunicação e de obtenção de conhecimentos muito mais rápida e eficiente do que rádio-amadores, correios, televisão, livros, jornais, etc.
A Censura
Porém, assim como aconteceu com a Imprensa, já surgem atitudes e idéias de censura na rede. A rápida popularização da Internet não foi acompanhada por igual desenvolvimento da civilização, o que já vem provocando conflitos entre a liberdade de expressão individual e a responsabilidade social. Infelizmente, a mente humana ainda não conseguiu se adaptar à tecnologia. Sendo usada por pessoas de todas as classes sociais e culturais, a Internet passou a desempenhar um papel na civilização muito maior do que aquele para a qual fora concebida e, por ser uma rede mundial, inevitavelmente causou choques culturais diversos. Já são evidentes em Foruns e grupos de discussão as práticas de censura por moderadores e proprietários, os quais criam suas próprias regras segundo suas próprias crenças. Outros modos de censura vêm se disseminando pelo mundo virtual, descaracterizando a Web como uma comunidade aberta. Seguem alguns exemplos:
- Suprema Corte dos EUA julga intenção do governo de impor censura à Internet;
- Edir Macedo consegue tirar do ar comunidades do Orkut;
- Viacom processa Google em US$ 1 bilhão pelo YouTube;
- Censura na Internet está aumentando, alerta estudo;
- Governo americano censura Google Maps;
- Centro de Mídia Independente é bloqueado na Turquia;
- China deve manter censura à Internet durante as Olimpíadas;
O mapa ao lado foi elaborado pela OpenNet Initiative e mostra a situação da censura à Internet pelo mundo. O site também aponta várias violações à liberdade de expressão em vários países, em destaque a China. É importante notar que, afora a censura oficial (aquela perpetrada por governos) existem várias outras tentativas de censura conduzidas por corporações que tenham seu interesse econômico ameaçado. Sob alegações de ameaças de terrorismo, pedofilia, direitos autorais, invasão de privacidade e/ou outras de cunho jurídico, econômico ou político, se esconde sempre interesses de manutenção de Poder ou do status quo.
Infelizmente, o mundo virtual não se diferencia muito do mundo real nesta questão. O conceito de censura está dentro de cada ser humano, em maior ou menor grau. Quando moderadores censuram posts em Forums não estão agindo muito diferente de qualquer governo que bloqueie acesso à sites ou blogs, ou a juízes de Direito que obriguem a retirada de comunidades no Orkut, ou ao Pentágono que considera o Google Maps um perigo à segurança nacional norte-americana.
O que é importante destacar é que muitos cidadãos até apóiam a censura em certos casos, desde que não seja ele a ser censurado. Assim como não existe "meio grávida", não existe "meia censura". Ou se condena o preceito de censura em si, ou se estará sempre a mercê de ditaduras diversas, sejam governamentais ou corporativas.
4 comentários:
Caro Spock:
Mais uma vez, parabéns pela sua interessantíssima e inteligente matéria. Não permitir a democratização da informação nos preocupa a todos.
Tenho de concordar com você quanto ao que diz sobre a abominável prática da censura pelos poderes públicos,instituições, organizações miitares,etc(felizmente,ainda não de todo institucionalizada). Isto, de fato, não deveria prospeperar e tem de ser repelido a qualquer custo. Infelizmente, a tão difundida "liberdade de imprensa" de há muito não existe mais. Cada jornal só publica o que lhe convém e a censura começa até dentro de casa.
Tanto isto é verdade, que os redatores e repórteres não têm liberdade para publicar o que quiserem: sofrem a censura prévia da direção de cada jornal, antes de a matéria se tornar pública.
Restou-nos, então, a internet, que coexiste com a imprensa e executa as suas mesmas funções, permitindo que o leitor pesquise os assuntos que lhe interessam em várias fontes, comparando as notícias até formar sua opinião. Isso é tambem, sem dúvida, uma das maiores conquistas e avanços da humanidade, no sentido de democratizar a informação. Querer-nos tirar isso, seria um retrocesso.
Só discordo de você num pequeno pontinho: a censura interna feita pelos auores de blogs e sites. Esta não é assim tão nociva e, às vezes até necessária, desde que não seja preconceituosa e abusiva. Veja o seu próprio exemplo: Você permitiria que qualquer um chegasse aqui em seu blog e publicasse livremente tudo o que quisesse, com ofensas pessoais a outros usuários, xingamentos, palavrões, erros de português, etc? Certamente que não.
Afora esta pequena ressalva, nota mil à sua matéria (a propósito, veja o aviso em seu blog: "A moderação de comentários foi ativada. Todos os comentários devem ser aprovados pelo autor do blog"). Perdoe-me, companheiro, sou um colaborador do seu blog (posso continuar?)e também admirador da sua inteligência e só fiz essa observaçãozinha para que você reflita.
Comentário adicional:
Retomei o assunto porque um aspecto passou despercebido e deixou de ser mencionado. Evidentemente, sou contra a censura, mas fico em dúvida em determinados assuntos, como, por exemplo, as redes de pedofília, as redes de neo-nazistas e os crimes de roubo pela internet. Como deveriam ser tratados esses casos, na sua opinião? Gostaria de conhecê-la.
Aproveitando a oportunidade, pergunto: quando vai revisitar meu blog? O espaço continua aberto para suas publicações. Ainda não publiquei aquele artigo sobre o qual comentei com você, porque não consegui formatá-lo adequadamente. Só conseguirei fazê-lo se copiar diretamente do seu blog. Opine!
Caro Ivo,
Como eu disse no artigo, o conceito de censura é inerente ao ser humano, a questão está na forma como ela se manifesta. Censuramos nossos filhos quanto a comportamentos inadequados, não quanto a expressarem suas idéias. Da mesma forma, ao atingirem a idade adulta, eles serão censurados quanto a atitudes consideradas ilícitas pela Lei e responsabilizados penalmente.
Porém, censurar qualquer idéia e proibir as pessoas de pensarem é, no mínimo, uma perda de tempo. Quanto aos nazistas (falando da Alemanha da época), suas idéias só não vingaram por um único detalhe: perderam a Guerra! E se tivessem ganho? Serão as idéias racistas e totalitárias atuais muito diferentes das de Hitler e seu séquito?
Quanto a pedófilos, fraudadores, estelionatários e outros criminosos/contraventores, continuarão a existir com ou sem Internet, dentro ou fora dela, assim como existem no Senado e Câmara Federal, Assembléias Legislativas, Igrejas (diversas), Clubes, Associações...ou seja, no mundo! Cabe às autoridades (??) identificá-los e enquadrá-los penalmente. Não será a Censura que fará com que desapareçam (aliás, nada fará!)
Quanto ao blog, sim, a moderação está ativada, só que, até hoje, não deixei de publicar nenhum comentário, mesmo alguns (raros) não muito inteligentes. Caso alguem tivesse feito algum comentário considerado como crime pelas leis brasileiras, seria responsabilidade minha comunicar o fato às autoridades. A ativação da moderação tem muito mais o intuito de livrar o blog de spams inúteis, não de publicar apenas aqueles que sigam minha linha de pensamento.
A grande questão, que não cheguei a abordar no artigo, é a perda de finalidade da Internet. O que deveria ser uma fonte de informação, conhecimento e divulgação de idéias, se tornou em mais uma tecnologia de entretenimento, manipulação das massas e distorção da verdade, assim como aconteceu com a Imprensa. Culpa da Internet? É óbvio que não! Culpa (como em tudo) dos usuários, ou melhor, da qualidade do usuário. A "democratização" da rede na verdade se transformou em "favelização", a mesma fartamente presente nos jornais diários.
Quanto ao restante, respondo por e-mail.
Abraços e grato por mais essa sua participação.
Ok,Spock, sabia que você iria encontrar uma explicação e saídas senão de todos convincentes, pelo menos aceitáveis. E o fez, como sempre, brilhantemente.
Minha opinião final sobre esse assunto é a seguinte: algumas práticas consideradas como "crimes da internet" (e apenas estas) deveriam ser legalmente regulamentadas, com estabelecimento de sanções legais e até cadeia, quando cabível. Afora isso, a liberdade deveria ser total para que cada um escrevesse o que quisesse, por mais absurdo que fosse e desde que não constituisse crime.
Claro que em meio a muitas coisas boas, o festival de besteirol sempre iria existir. Coisas comos os orkuts, msn e outros; gente falando mentiras, abobrinhas, o que não sabe ou pensa que sabe, erros de ortografia, concordância e tudo o que se possa imaginar. Mas, ainda assim e desde que não incorresem em crimes, acho que deveriam ter a oportunidade de falar, sem censuras. Lê quem quiser, aproveita quem quiser, descarta quem quiser. Você, eu e tantos outros já não fazemos isso?
Quem não souber fazer leitura seletiva e não souber tirar conclusões acertadas ou, resumindo: quem não souber filtrar bem e avaliar o que lê, que se exploda ou vá procurar entender.
Curto e grosso, é isso!
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